6. Ivan, o terrível.
Um dia apareceu na Colônia o Ivan. Ele era pequeno demais para ficar em qualquer classe mas como suas duas irmãs maiores estavam na colônia e eram elas que tomariam conta dele, o bom senso permitiu que aceitássemos Ivan. Ele freqüentava a oficina que queria e como era muito pequeno, recebia uma atenção especial de todos nós. Ele tinha dois anos e meio e era muito inteligente. Não usava fraldas, já pedia para ir ao banheiro. Ele não falava muito porém sabia se comunicar muito bem. E era extremamente carinhoso.
Eu o conheci no banho de mangueira. O professor de educação física tinha percebido que por causa do calor, o cheirinho estava ficando bem azedo por ali e como era uma região muito pobre, decidiu fazer uma brincadeira diferente: o banho de mangueira.
A gente precisava esperar um pequeno reservatório encher e então podíamos colocar uma mangueira e “tacar água” em geral. A gente passou com todas as turmas pelo banho. Alguns ficavam de calcinha, outros de roupa mesmo. E passavam o sabonete no corpo, no rosto, era tanto sabão, sabão no olho... Tanta alegria por nada... Por um banho com sabonete... Uma coisa tão simples...
E foi aí que me apaixonei pelo pequeno Ivan. Ele fazia uma farra com a água, e ria e pulava, e corria e gritava... Nessa altura além da massa de crianças eu já conhecia algumas pelo nome. E obviamente como não sou de ferro já tinha me afeiçoado a uma boa parte delas. Inclusive as mais “terríveis”.
Passei a dar aula com o Ivan no colo. Ele era disputado a tapa mas como minha aula era mais “divertida” que redação por exemplo ele ficou a maior parte do tempo comigo. No final do dia, tínhamos formado um grupo que voltaria em direção ao centro de carro e fiquei esperando essa carona. O carro era o da diretora, portanto esperamos que a última criança fosse entregue para que a gente pudesse ir. E ninguém veio buscar Ivan e suas irmãs, Jéssica e Daiane. Ouvimos boatos que a mãe deles não ia chegar a tempo e não tinha nenhum outro responsável.
Os boatos na verdade eram de que a mãe deles estava tomando cachaça no botequim. E o que nós íamos fazer com aquelas crianças? Eu não podia deixar Ivan na rua. Eles moravam longe e então conversando com a mais velha do grupo, resolvemos deixá-los em casa aos cuidados de uma vizinha.
Entramos no carro. Nesse momento que eu tive a dimensão da pobreza daquela região. Andamos por ruas esburacadas, sem asfalto, enlameadas, por alguns descampados, o típico onde Judas perdeu as botas. E então Jéssica apontou sua casa. Mas não era exatamente uma casa... Onde vocês moram? –Aqui, pode parar o carro. Mas era um container.
Descemos, as crianças saíram correndo brincando ao redor – no quintal digamos assim – e eu incrédula perguntei vocês moram aqui? Foi quando Jéssica arrematou minha surpresa com o inacreditável: desse lado não, do outro. Aqui quem mora é Dona Lourdes.
Meu queixo caiu. Ivan, suas irmãs e a mãe cachaceira moravam na metade de um container...